“Chegou a tua vez, moleque!” se passa numa cidadezinha perdida nas montanhas do Sul de Minas no início dos anos 1960. A região toda estava em plena decadência econômica e a população do município diminuía. Donos de minifúndios, sem perspectiva ali, iam geralmente para o Paraná, o “Eldorado” para eles, achando que enriqueceriam. Jovens da cidade, optavam mais por São Paulo e outras cidades paulistas, como Campinas, para estudar e trabalhar.
Moisés, um rapazote que trabalhava numa loja de turco (libanês), sentiu que chegava sua vez de se mandar quando completou 16 anos e foi tirar sua primeira fotografia 3 x 4 para fazer o alistamento militar, o que na época se fazia com essa idade. Dois irmãos mais velhos já tinham abandonado a cidade, à procura de um destino melhor. E ele passou a contar os dias até a chegar a data de sua partida.
Roubo de frangos para fazer ceias de madrugada, bebedeiras, serenatas, frequência a puteiros, farras, e muitas lembranças – como se os seus 16 anos fossem uma vida com muito passado – passaram a ser seu cotidiano carregado de aventuras, sonhos e temores.
Como alguém de um lugar em que a política se resumia a disputas entre PSD e UDN encararia um lugar cheio de comunistas, conforme se dizia da capital paulista nas emissoras de rádio e no jornal O Estado de S. Paulo, que era lido por algumas pessoas ali?
Greves! A Revolução Cubana influenciando gente... O Muro de Berlim. Um rapazola malformado teria futuro num lugar desses? Assim, a cabeça do futuro migrante ia tentando se organizar enquanto esperava sua vez de sair, como uma fatalidade. Mas com humor. Às vezes até um pouco de lirismo.
“Você devia publicar esse livro por uma editora grande, que tem espaço na mídia e nas livrarias”...
Ouvi isso várias vezes, e ouvi de novo de pessoas que leram os originais deste livro. Para algumas expliquei: nessas editoras, nem olham os originais, eles vão direto pro lixo. O que vale para publicar nelas é um Q.I. altíssimo. Quem indicou. E nem pense em levar lá pessoalmente e tentar conversar com o editor. O cara se sente importante demais. É mais fácil conseguir uma audiência com o Papa ou o secretário geral da ONU do que com um grande editor brasileiro.
Publiquei livros por boas editoras, pequenas, mas boas. “Chegou a tua vez, moleque!” publiquei como e-book, e coloquei na Amazon. Uns três meses depois me avisaram que tinha direitos autorais para receber. Pediram informações sobre a minha conta bancária, mandei, responderam que tal conta não existia. Mandei informações sobre a conta em outro banco, mesma coisa. Desisti e tirei o livro de lá.
Em 2020 mandei os originais a alguns amigos, para ajudar a passar o tempo na prisão domiciliar desta era de Covid-19. Se as respostas deles, forem sinceras, “justifica” a publicação.
Mas “justifica” é uma palavra que não vale muito. O livro poderá morrer aos poucos no computador, como vários outros que vão envelhecendo enquanto o tempo passa.
Um dos motivos de autores como eu para lançar livros são os amigos que vão ao evento. É uma coisa muito mais social do que econômica. A gente se reencontra festivamente, mas isso não é possível nestes tempos pandêmicos. Então, talvez não valha nem uma ediçãozinha minúscula.
Este ano, mandei os originais para o Marcos Wilson porque, como disse em postagem anterior aqui mesmo, na “Babel”, o livro parece ter sido combinado com um outro que ele escreveu e publicou, “Fogo, Cerrado!”. Ambientados em regiões diferentes de Minas Gerais, mas na mesma época, são duas visões que se complementam. E ele insistiu na publicação. Mas como?
Andei pensando em propor à Editora Limiar, uma pequena edição, poucos livros, sem lançamentos, sem livrarias, sem mídia... Edição para amigos, parte deles provavelmente com sensação de overdose, pois estão cheios de livros meus... E sem lançamento festivo, sei lá se vale...
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Mouzar Benedito é escritor, jornalista, geógrafo, autor de dezenas de livros, entre eles Palavra de Caipira, editado pela Limiar.
Escritores sem respaldo e marketing das grandes editoras (Record, Cia. das Letras etc) simplesmente não existem - são camelôs da própria obra, tentando vender uns poucos exemplares para um círculo restrito de amigos e só gozando do prazer dos encontros em lançamentos (uma só noite, nada mais), que agora também não são possíveis devido à pandemia, como você observou. Sou um escritor e tradutor de Literatura em Inglês do Sul de Minas (Poços de Caldas) e hoje, com 18 livros publicados, não sinto que valha mais a pena. O país é desolador e mata a Cultura como se nada fosse. Livros passaram a ser nada mais que outro dos muitos investimentos que o Capitalismo excludente, desinteressado de nada que não…
Mouzar, você sempre genial nos seus escritos. Concordo, faça dos lançamentos mais evento social que econômico mas, não se esqueça de mandar o convite.
Forte Abraço